Junia Torres, Bruno Vasconcelos, Carolina Canguçu, Denise Costa
"A descolonização jamais passa despercebida porque atinge o ser, modifica fundamentalmente o ser, transforma espectadores sobrecarregados de inessencialidade em atores privilegiados, colhidos de modo quase grandioso pela rodaviva da história. Introduz no ser um ritmo próprio, transmitido por homens novos, uma nova linguagem, uma nova humanidade. A descolonização é, na verdade, criação de homens novos." (Frantz Fanon 1979:26-27).
O cinema realizado por autores africanos emerge no contexto das independências políticas em diversos países do continente. Nasce, portanto, essencialmente ligado às reflexões advindas das estratégias anti-coloniais e à construção do ideal de uma unidade cultural que não subsumisse as diversidades culturais locais e os diferentes grupos étnicos. Cinema que encontra, ainda contemporaneamente, reflexões, narrativas e problemáticas relativas aos projetos e embates pós-coloniais. Tais questões atravessam, com maior ou menor vigor, as representações que vem sendo construídas a partir da apropriação – e da permanente reinvenção – dessa forma de reflexão sobre o mundo e sobre a existência por meio de imagens e sons. São, por outro lado, cinematografias, como ademais em todos os lugares, atravessadas pelas sensibilidades, subjetividades e experiências conferidas pelos diferentes autores que iniciaram e que constituem a trajetória desse cinema realizado em África.
Assim, diversas questões envolvidas na complexa pergunta: "Afinal, o que é África?" – título de artigo do professor Kabengele Munanga, presente no fórum de debates da mostra, assim como as que envolvem o díptico tradição/modernidade problematizado por Mahomed Bamba em artigo publicado na sessão de ensaios desse catálogo – não poderiam deixar de atravessar a constituição da trajetória das experiências cinematográficas no Continente. Questões às quais acrescentam-se tantas outras, tais como a forma pela qual estes diferentes povos - aos quais denominou-se África um dia – se relacionaram, se contrapuseram e se contrapõem às culturas colonizadoras, ou de que maneira se articulam as matrizes culturais locais que povoam esse espaço imenso e diverso às formas da chamada “modernidade”.
Quando os cineastas africanos começam eles próprios a produzir imagens da África – a partir dos anos 1950 –, passam a intervir na dinâmica cultural de seus povos através do cinema, potencializador da produção do imaginário e dos encontros inter-culturais. O que se vislumbrou desde então foi a questão de se experimentar a expressão cinematográfica vigorosa de culturas em devir. Ao longo dessa história, diversas foram as posturas adotadas pelos cineastas africanos diante da tarefa de construir traduções cinematográficas de racionalidades africanas para a tela.
O que se verá aqui, devido à exigüidade do tempo e espaço de que dispomos, é a apresentação de algumas das obras importantes para a constituição e trajetória do cinema realizado por autores africanos. (...)
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Excerto de artigo publicado no Catálogo FORUMDOC - BH - 2009, referente ao 13º Festival do Filme Documentário e Etnográfico. O catálogo conta com diversos textos e biografias de diretores. Para continuar lendo esse texto, clique aqui, consulte a página 19.
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