16 de maio de 2012

Textos: Revista Filmologia - Edição especial sobre Cinema Negro


A revista Filmologia trouxe, em sua edição #9, um especial sobre cinema negro com vários textos dedicados ao cineasta Djbril Diop Mambety. Confira clicando AQUI.

Edição #09

Editorial

O sonho africano

“Eu sou negro. Estou em total fusão com o mundo, numa afinidade simpática com a Terra, perdendo meu ID no coração dos cosmos – e o homem branco, por mais inteligente que ele possa ser, é incapaz de entender Louis Armstrong ou as músicas do Congo. Eu sou negro, não por causa de uma maldição, mas porque minha pele foi capaz de capturar toda a eflúvia cósmica. Sou verdadeiramente uma gota do Sol sobre à Terra” – Frantz Fanon

O “cinema negro” (não no sentido étnico da coisa, mas na modalidade do alcance da visão que terá de ir até a cratera mais profunda dos arquivos cinéfilos para encontrá-lo) sempre sofreu uma espécie de expiação temporal dos círculos que deveriam abraçá-lo. Foi “martirizado” pela consciência da cinefilia europeia e norte-americana (que “contaminou” a paixão pelo cinema por todo o globo), deixando assim um mosaico fortemente ressentido de esferas negras, de cineastas negros (no duplo sentido que a definição legitima: o negro da pele e o negro do desconhecido), de histórias próprias e intransponíveis a qualquer visão minimizadora, pedante ou fascistoide. 

Djibril Diop Mambéty tal qual seu compatriota Ousmane Sembène, foi a certidão de nascença de algo maior do que qualquer sistematização global na busca pelos “cineastas universais”. Ambos dominaram a produção cinematográfica de Senegal a partir da segunda metade do século passado. Enquanto Mambéty foi impregnado de sonhos e de uma necessidade de criação permanente ao mesmo tempo que era tomado frequentemente como exemplo de uma marginalidade meticulosamente cultivada, Sembène foi escritor, sindicalista, militante político e ex-combatente. A diferença entre as duas cinematografias se dá pelo sonho de uma nova esperança anti-colonialista (Mambéty) e o sangue da fúria anti-colonialista (Sembène). Para ambos, a autêntica aprendizagem vital estava escondida na miscelânea da vida cotidiana, ao lado de pessoas de países e condições diferentes.

Em Contras’ City (1969) Mambéty já perfilava os acentos que o perseguiriam até o fim de seus dias: uma atração pelos marginalizados, uma tendência a recusar o compromisso artístico condizente à elite e, sobretudo, uma generosidade e um sentido de rebelião desprovidos de qualquer tabu. Para ele, o teatro e o cinema se complementavam: o primeiro é a ante-sala do segundo, o lugar onde se impõe os gestos, as palavras, os decorados, as cores. Para Mambéty, de fato, um povo digno e livre é soberano. E é inútil “mostrar” que os povos africanos são infantis ou débeis. Por isso que em filmes como Badou Boy (1970) ou Touki Bouki (1973) a explosão do corpo é a síntese maior da vida: há a velocidade dos corpos, dos aparatos, do coração que palpita na proporção em que o sonho africano se mantêm vivo – e esse sonho, sabe Mambéty, não é um sonho como os sonhos dos homens e mulheres europeus: o sonho aqui é o sonho de correr, de pular, de dançar, de fugir, de alcançar uma experiência além-vida, de mitigar a opressão diária da miséria, de falar

À frente da fome e do obscurantismo, à frente da miséria e da consciência embrionária, Mambéty tem toda essa noção, transforma-a em utilidade cinematográfica, refaz o homem a partir do degradante, escurece-o ao máximo para depois jogá-lo à luz. O “cinema negro” (agora sim, na conotação étnica), de fato, merece esse redescobrir, porque a história africana não é uma história de vergonha, mas uma história de luta, dum eterno embate frente à “civilização branca” – porque o negro jamais foi tão negro quanto a partir do instante em que esteve sob o domínio do branco, e resolveu dar testemunho de cultura, percebendo que a história lhe impõe um terreno determinado, que a história lhe indica um caminho preciso e que lhe cumpre manifestar uma cultura negra, uma cultura própria, local e então, universal. O cinema de Mambéty é, portanto, um dos mais fortes sintomas dessa cultura africana universal, porque acima de tudo, seus filmes são sobre o compartilhar de experiências próprias num local ainda visto com olhos tão maldosos pelo mundo. 

Dito isso, o Filmologia na reestruturação que lhe é indispensável (percebam os “volumes” e “números” substituindo as “edições” nas capas do site, imposições vindas do ISSN que estamos providenciando), parece começar, outra vez (!), mais uma nova fase. A equipe agora se resume a quatro membros (Pedro Neves e André Antônio cumpriram sua parte e seguiram seus rumos) e, eventualmente, tentaremos convidar algumas pessoas para compor as edições conosco. Aqui, nosso convidado é Heron Formiga, mestre em Comunicação pela UFPE e doutorando em Comunicação pela UFMG. Esperamos, com isso, melhorar o ritmo na feitura das edições e de nossas demais atualizações (críticas, artigos, filme em foco…) e nos fazermos mais presentes (não demasiadamente presentes, claro) frente aos filmes. Ao leitor, desejamos que essas mudanças, das quais essa edição provavelmente marca o início “oficial”, sejam satisfatórias e funcionais. E, claro, lugar-comum sempre inescapável, desejamos a todos uma boa leitura.

Ricardo Lessa Filho
Fevereiro / Março / Abril de 2012
Edição 09 (Vol. 3, N. 1)

Um comentário:

Anônimo disse...

Achei incrível ler sobre o cinema negro e um pouco desse cineasta Djbril Diop Mambety. Sou cinéfalo, mas confesso que sobre cinema africano sou um zero a esquerda. Achei esse blog maravilhoso e está aqui entre os favoritos. Tentarei sempre acompanhar e aumentar esse conhecimento que até então era desconhecido. Ótimo texto e um abraço.

Renan Matos Magalhães
http://thomaslumiere.blogspot.com.br/